terça-feira, 9 de outubro de 2012

O desafio da coleta seletiva em Belo Horizonte

O desafio da coleta seletiva em Belo Horizonte

Com baixíssimo índice de reciclagem de resíduos sólidos, Belo Horizonte está longe de atingir a meta estabelecida pelo país para 2014. Mas dá para mudar esse cenário

O rascunho do desenho vai para a lixeira azul, dos papéis. A garrafinha do iogurte para vermelha, dos plásticos. Alunos do maternal do Colégio Sagrado Coração de Jesus, no Funcionários, já sabem de cor a lição da coleta seletiva. Com apenas 2 anos, Sophia Silva Machado não consegue ainda usar a palavra reciclagem, mas já entende que as caixinhas vazias do suco de uva não precisam ser jogadas fora, podem ser usadas para construir brinquedos, como o castelinho que fez. "Meu pai achou lindo", conta. Ninguém questiona a importância da conscientização ambiental ainda na infância. Os educadores, porém, lamentam que o aprendizado das salas de aula seja desperdiçado quando as crianças chegam em casa. "A maioria das famílias daqui ainda não tem a cultura da separação do lixo", admite Flávia Miguez, a professora da turma de Sophia. Os números mostram que ela está certa. Belo Horizonte está muito distante da meta que deveria, por força de uma lei federal, ser atingida até 2014: a de não mais aterrar material reciclável. A coleta seletiva representa apenas 0,8% — 28 toneladas — do total de 3 500 toneladas de lixo produzidas diariamente na cidade. Comparado aos dados de capitais como Porto Alegre e Curitiba, onde o índice chega a 20%, o resultado é vergonhoso. E, mesmo tendo como referência a média nacional, que é de 3%, não há nada do que se orgulhar.

ONDE LEVAR OS RESÍDUOS?
Por que reciclamos tão pouco? Os moradores culpam a administração municipal, que não investe em um sistema adequado de coleta dos resíduos recicláveis. Dos 482 bairros e favelas do município, apenas trinta contam com coleta seletiva em domicílio. Isso significa que somente 354 000 moradores, ou 15% da população, são beneficiados pelo serviço. A prefeitura se defende, diz que falta mesmo é conscientização e engajamento. E, convenhamos, tem lá alguma razão quando lança mão desse argumento. "A gente chega a varrer ruas do Centro até nove vezes por dia", afirma Lucas Gariglio, diretor de planejamento da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). "Se a população ainda joga lixo no chão, como exigir mais do que já é feito?"

O fato é que, embora a maior parte dos belo-horizontinos se diga simpatizante da "teoria dos três erres" (reduzir, reutilizar e reciclar), são raros os exemplos como o da família do auditor fiscal Wertson Souza. Pelo menos uma vez por semana, ele desce para a garagem do edifício onde mora, no Buritis, com vários sacos de lixo para ser colocados no porta-malas do carro. De lá, segue em busca de algum ponto de coleta onde poderá deixar, devidamente separados, os resíduos — papel, metal, vidro e plástico acumulados por ele, a mulher, Kátia, e as filhas, Raíssa e Bárbara. "É trabalhoso, mas também gratificante", afirma. O auditor é um obstinado que, há anos, tenta convencer amigos e vizinhos a aderir à prática sustentável. Quando era síndico de um condomínio no Anchieta, implantou a coleta seletiva e viu apenas nove dos 112 apartamentos participar do modelo.

PARA FAZER A SUA PARTE

"O belo-horizontino é extremamente omisso", acusa Rafael Tobias, que é diretor do departamento de gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e estuda a destinação de lixo. "Todos já deveriam estar bem informados, conscientes e sensibilizados", diz. Afinal, a discussão não é nova. Há mais de doze anos, em 1999, a catadora Maria das Graças Marçal, mais conhecida como dona Geralda, estava em Nova York, a convite da Organização das Nações Unidas (ONU), para falar do trabalho da Associação dos Catadores de Material Reciclável (Asmare). A associação que coordena já ganhou vários prêmios e é considerada uma referência nacional. Segundo ela, cada um dos 190 agentes ambientais da Asmare, que é como são hoje chamados os catadores, recolhe 200 quilos de lixo por dia. Apenas metade disso é de resíduo reutilizável. "Se as pessoas fizessem a separação, nossa produtividade aumentaria", afirma.

É de causar surpresa que na terceira maior metrópole do país, de onde saiu exemplo tão emblemático quanto o da Asmare, seja ínfimo o índice de reciclagem. Depois de morar quatro anos em São Paulo, o designer de joias Roberto Staino ficou decepcionado com a realidade que encontrou em sua própria cidade. Na capital paulista, havia coleta seletiva em todos os três prédios nos quais morou. Desde que voltou, em 2008, ele tenta manter, na base do esforço pessoal, os hábitos que adquiriu por lá. Não anda nada fácil. "Falta esclarecimento sobre o processo", reclama. Mesmo para ele, que já se convenceu de que é preciso aderir, pairam muitas dúvidas. "Não sei se devo lavar as embalagens ou se a água que eu usar para isso colocará a perder o benefício da reciclagem", exemplifica. Staino deveria, sim, fazer a limpeza das embalagens que guarda, como as caixas de leite e suco.

Por parte do poder público, falta mesmo informação. No telefone 156 da SLU, tudo o que o morador conseguirá descobrir são os endereços dos 99 locais de entrega voluntária (LEV) e das 32 unidades de recolhimento de pequenos volumes (URPV), que recebem até 2 metros cúbicos de entulho, como pneus e móveis velhos. Para uma população de 2,4 milhões de habitantes, são pouquíssimos pontos. E o número não vem subindo, ao contrário do que era de esperar. Já foram 137 locais de entrega voluntária, por exemplo, mas 38 acabaram retirados por causa de depredação ou a pedido dos próprios moradores. "As pessoas não sabem, ou não querem, fazer a destinação correta, misturando comida ao material reciclável, o que acaba atraindo ratos e provocando mau cheiro", explica Lucas Gariglio, da SLU.

A falta de educação sobre o assunto, diz o professor Rafael Tobias, também é uma falha do poder público. "É de competência do governo local fomentar essa rede, incluindo desde o consumidor e o catador até o transportador e o fabricante", argumenta. Segundo ele, embora caiba à prefeitura o papel central, para mudar o cenário atual todos devem contribuir. Ainda que por motivos mercadológicos — pega bem associar uma marca ao conceito da sustentabilidade —, alguns estabelecimentos, como os supermercados, já vêm dando sua cota de colaboração. Boa parte da população consciente da cidade hoje utiliza o serviço de coleta oferecido por esses lugares. Só no Verdemar, que recolhe material reciclável em quatro de suas seis unidades, os clientes deixam, diariamente, 400 quilos de resíduos. O SuperNosso não informa o volume da coleta diária, mas a gerente de marketing, Adrianne Perez, diz que, considerando o número de residências do entorno de suas lojas, o resultado é baixo. "O Brasil ainda não está preparado para uma separação obrigatória, com multa por descumprimento como ocorre em alguns países, mas a conscientização é uma meta que não podemos deixar de perseguir", pondera.


Um bom incentivo para mobilizar os moradores e elevar a participação nos programas de reciclagem é a divulgação dos resultados concretos da coleta seletiva que é feita por aqui. As 28 toneladas recolhidas pelos caminhões verdes da SLU a cada dia garantem o trabalho de pelo menos 400 catadores ligados a oito cooperativas. Outras 300 toneladas de entulho são transformadas em areia, no Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos da superintendência, para a produção de meio-fio, calçamento e blocos de construção. E pelo menos 7 toneladas de adubo são feitas com os restos das podas de árvores e os alimentos que ficam perdidos em feiras e sacolões. Consciente de todos esses benefícios, o engenheiro aposentado Jorge Lopes Cançado aderiu ao hábito de separação do lixo. Morador do Belvedere, ele espera na porta de casa, toda quinta-feira, pelo caminhão da reciclagem. "Meus filhos sempre acharam uma bobagem meu envolvimento com a defesa do meio ambiente, não consegui convencê-los", lamenta. Com os netos, porém, é bem diferente. As crianças gostam de ajudar o avô a colocar cada tipo de lixo no devido saco e esperar pela coleta. Exemplos como o dos netos do engenheiro Cançado alimentam a esperança de que as lições aprendidas pelas crianças na escola serão, aos poucos, absorvidas por toda a família.
 
 
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